terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Do exercício físico à saúde, o que a investigação nos pode ensinar.


Entrevista com:Professor Doutor José Alberto Ramos Duarte





P.: Ultimamente tem-se debatido vantagens/desvantagens do exercício físico. Na sua opinião, esta é uma questão que se responde como no ditado "a dose faz o veneno"? Nesse caso, haverá uma dose que será razoável aconselhar, sem descurar a obtenção de resultados satisfatórios?

R: Importa esclarecer que os efeitos da atividade física regular, ou do exercício físico repetido no tempo, serão tanto mais notórios para quem segue este estilo de vida, comparativamente aos demais elementos da população, quanto maior for o nível de sedentarismo dessa sociedade. De facto, considerando que a estrutura e a função orgânica estão intimamente associadas, pode-se afirmar com alguma segurança que o Homem é, biologicamente, um ser vocacionado para o movimento. Contudo, com o desenvolvimento tecnológico e a rápida suavização da exigência imposta pelo meio ambiente,  as populações foram-se tornando cada vez mais sedentárias, sendo esta condição, a par do aumento da longevidade e da abundância de alimentos altamente energéticos, uma das principais razões para explicar o aumento da incidência e prevalência das chamadas doenças cronico-degenerativas nas sociedades industrializadas.

Deste modo, o exercício físico ou a atividade física regular apenas se revelam vantajosos para a saúde humana, não porque tenham intrinsecamente alguma "fórmula química especial" com "efeitos miraculosos", mas tão somente porque a inatividade física é uma condição nefasta e inadequada à biologia humana, predispondo os sujeitos ao aparecimento de patologias e doenças. 

Respondendo concretamente à questão colocada,…sim,…tal como com qualquer fármaco, também com o exercício físico a dose administrada fará o veneno pois, se por um lado, doses muito baixas possuem poucas repercussões orgânicas, com poucas vantagens relativamente aos demais indivíduos sedentários da população, por outro lado, as doses mais elevadas, pela sobrecarga metabólica e mecânica impostas aos diferentes órgãos e sistemas, poderão ter repercussões nefastas, podendo mesmo, em situações pontuais, culminar ou na morte do indivíduo durante o exercício ou, em termos crónicos, motivar o aparecimento de patologias do foro ortopédico ou outros, reduzindo assim a saúde e a qualidade de vida dessas pessoas. 

Os atletas de alto rendimento que estão sujeitos a elevadas cargas de treino físico, com os problemas associados da morte súbita induzida pelo exercício ou das patologias e doenças que os acometem mais tarde na sua vida futura, constituem um bom exemplo da toxicidade aguda e crónica do exercício físico regular em altas doses. Por isso mesmo, embora o treino de alto rendimento desportivo tenha por objetivo aumentar a funcionalidade e a capacidade de realizar trabalho no presente, os atletas que o praticam pagam, na sua vida futura, um preço bem alto em termos de saúde e qualidade de vida, por terem optado por este tipo de comportamento aquando jovens. 

Do ponto de vista teórico, a dose ideal (considerando a intensidade, o tempo e os períodos de recuperação entre exercícios) deverá estar na mancha cinzenta compreendida entre as situações extremas de sedentarismo e do alto rendimento desportivo, permitindo aos indivíduos um aumento de funcionalidade comparativamente ao sedentário mas, simultaneamente, um menor risco para a saúde comparativamente aos atletas de alto rendimento.



P.: A questão das alterações morfológicas que o exercício provoca, sobretudo nos jovens atletas em fase crescimento, é cada vez mais uma preocupação para pais e treinadores. Consegue dar-nos exemplos de boas práticas para evitar complicações clínicas, ou sinais a estar atento. 

R: Há cada vez mais convicção que o exercício físico, quando praticado em idades jovens, de forma regular e em doses ajustadas individualmente, é extremamente vantajoso para o desenvolvimento biológico, psicológico e social dos seus praticantes. Esta maior exigência orgânica, funcional e metabólica, imposta pelo comportamento dos indivíduos, parecer ser extremamente vantajosa não só para o crescimento, mas também para a maturação de diferentes órgãos e sistemas, nos quais se incluem o sistema nervoso central, o sistema locomotor e o sistema cardiorrespiratório. De facto, são muitas as evidências científicas mostrando um aumento da qualidade da massa óssea, da qualidade da massa muscular esquelética, da melhor adaptabilidade cardiovascular e respiratória a situações de stress, da maior capacidade de desenvolvimento cognitivo e da melhor integração social observada nos indivíduos fisicamente ativos comparativamente aos sedentários. 

Assim sendo, as alterações morfológicas impostas pelo exercício físico regular, em doses adequadas, parecem ser extremamente benéficas para o desenvolvimento futuro das crianças e adolescentes. Contudo, como a dose faz o veneno, também se acredita que elevadas cargas de treino físico em crianças possam comprometer o seu normal desenvolvimento. Assim, os casos de fraturas ósseas de fadiga, de fechamento precoce das metáfises ósseas, de infecções respiratórias de repetição, de patologias inflamatórias crónicas musculotendinosas, de luxações ou subluxações articulares de repetição, de alterações comportamentais e humorais, podem ser bons exemplos de se ter ultrapassado, em termos biológicos, a capacidade adaptativa orgânica à sobrecarga mecânica e metabólica imposta pelo treino físico aos diferentes sistemas. É tudo uma questão de uma maior ou menor exposição ao risco e, simultaneamente, de sorte ou de azar conjuntural! É claro que todos os indivíduos, mesmo os menos ativos, estão também sujeitos à ocorrência destas patologias ou doenças, contudo, o maior risco, por maior exposição, ocorre nos atletas de alta competição. 

Normalmente, os treinadores estão muito atentos ao problema da intensidade e da duração dos exercícios físicos. Contudo, apesar destas características do exercício serem importantes para aumentar ou atenuar o risco de ocorrência de patologias ou doenças, talvez um factor tão ou mais importante seja o período de recuperação entre exercícios. Períodos de recuperação incompletos, tais como aqueles preconizados no treino de resistência, são os que mais comprometem a capacidade adaptativa orgânica, uma vez que o reduzido período de recuperação entre exercícios limita a capacidade orgânica de reparar as alterações homeostáticas induzidas pelo exercício prévio.



P.: Que o corpo reage de maneira diferente à medida que vamos envelhecendo já temos consciência. Mas consegue explicar-nos em linhas gerais o porquê disso acontecer e como podemos atenuar os efeitos físicos do processo de envelhecimento?

R: Os organismos biológicos caracterizam-se pela redundância dos seus componentes biológicos, a qual, a diferentes níveis de organização, se traduz pelo número excedente de órgãos, de células, de organelos ou mesmo moléculas. Por exemplo, podemos perfeitamente viver sem um rim, sem uma porção do fígado ou mesmo do pulmão. Continuaríamos a ouvir ou a ver apenas com um ouvido ou um olho e a nossa viabilidade não ficaria comprometida, por exemplo, com menos um braço ou uma perna. 
Para uma abordagem deste assunto, com um carácter mais didático, vamos considerar a célula como a unidade estrutural e funcional orgânica e, assim, analisar a redundância celular. É aceite que possuímos um maior número de células nos vários órgãos do que aquele que precisaríamos para assegurar a sua normal funcionalidade em situações basais. Toda a massa de células redundantes de um determinado órgão é, por isso, responsável por uma funcionalidade acrescida relativamente aquela necessária para situações basais, a qual não precisamos para as exigências funcionais do dia a dia e que reservamos para situações de maior exigência funcional. A diferença entre a funcionalidade basal e a funcionalidade máxima do órgão é denominada por capacidade funcional de reserva. Em consequência das constantes agressões ambientais a que nos sujeitamos diariamente ao longo da vida, muitas células vão perdendo funcionalidade e vão morrendo, não sendo totalmente substituídas por novas células. 

Isto significa que, com o tempo, vamos perdendo redundância celular, perda essa que se traduz por uma diminuição progressiva da capacidade funcional de reserva e pela menor capacidade adaptativa a situações de stress. 
De facto, todo o trabalho associado à funcionalidade orgânica de base que era, tempos idos, distribuído por um grande número de células, cabendo a cada uma delas uma pequena fatia desse trabalho, passa a ser progressivamente distribuído por um número de células cada vez menor, com a consequente maior exigência funcional imposta a cada uma delas e, dessa forma, motivando em cada uma maiores desequilíbrios homeostáticos, com maior susceptibilidade de lesão e morte. Esta ocorrência vai limitando não só a capacidade máxima do órgão mas também a capacidade de cada célula de responder a situações de exigência acrescida, tornando-as mais susceptíveis à morte. Esta situação será tanto mais grave, colocando em risco a capacidade adaptativa do indivíduo (e, em última análise, a sua própria vida) exposto a situações extremas de maior exigência funcional, quanto maior for a exposição ambiental a esses agentes tóxicos, exposição essa que se associa diretamente com a idade cronológica e com os comportamentos de risco das pessoas. 
O envelhecimento é considerado, por isso mesmo, não um fenómeno, mas antes uma propriedade que caracteriza os seres que possuem elementos redundantes! Quem não os possui não pode envelhecer: se o único elemento falhar, morre-se! Pelo exposto, facilmente se depreende que o envelhecimento é irreversível.

Do ponto de vista científico, ainda não se sabe qual o efeito do exercício físico regular no envelhecimento biológico. Do ponto de vista teórico, se, por um lado, o aumento da exigência imposta aos órgãos pelo exercício parece promover a morte de células mais susceptíveis e a sua substituição por outras mais jovens e mais funcionais (parece haver um rejuvenescimento no presente), por outro lado, este maior turnover celular pode, em termos futuros, promover o esgotamento precoce de células stem e, assim sendo, comprometer a capacidade regenerativa, a longo prazo, desse órgão. 

Não se sabe ainda responder a esta dúvida. Para acentuar ainda mais a confusão sobre o tema, há que considerar que a diminuição da funcionalidade máxima de um determinado órgão que ocorre com a idade cronológica, não é da responsabilidade exclusiva do envelhecimento biológico, havendo também uma importante contribuição da baixa exigência funcional cronicamente imposta ao órgão. Por exemplo, a nível muscular esquelético, tem sido demonstrado que o treino físico aumenta a força muscular máxima em indivíduos idosos. Isto significa que o treino combate o envelhecimento? Não, porque o envelhecimento biológico tem um carácter irreversível! O próprio desuso muscular contribuiu para essa redução da força e, assim, no fenótipo de um indivíduo idoso, torna difícil separar o que é resultado do envelhecimento do que é consequente do desuso orgânico.




P.: Para terminar, algum novo projecto de investigação na calha? Ou sugestão de temas que seriam interessantes investigar no futuro?

R: Neste momento há vários projetos financiados de investigação fundamental a decorrer no laboratório que coordeno. Um diz respeito à plasticidade do tecido ósseo e às suas alterações celulares, de organização estrutural e de constituição da matriz orgânica e inorgânica, em resposta a alterações hormonais e à sobrecarga mecânica crónica. Um outro diz respeito aos mecanismos de cardioproteção motivados pelo treino físico. Existe ainda um outro projeto relacionado com a influência do exercício físico regular nos mecanismos de reparação celular (heteroplasmia mitocondrial) e tecidual (cicatrização vs. Regeneração) do músculo esquelético.  





Professor Doutor José Alberto Ramos Duarte

Professor catedrático da Faculdade de Desporto da UP

Licenciado em medicina e doutorado em biologia do desporto
Diretor do curso de doutoramento em Fisioterapia
Editor do International Journal of Sports Medicine
Editor dos Archives of Exercise in Health and Disease
211 artigos científicos publicados em revistas internacionais peer-review.




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